27 de junho de 2007

Comunidades do Alto Rio Negro, Moura, Barcelos, Amazonas

Barcelos, antigamente, (1750) era a capital do estado do Amazonas. Foi transferida para Manaus e sobrou essa cidade meiga, portuguesa, na beira do Rio Negro, o maior arquipélago de água doce do planeta, do tamanho da ilha da Grã-Bretanha, com mais de 700 ilhas envoltas por água doce. No período da seca, a partir de agosto, possui mais de 40 km de praia. Durante a época da cheia, (agora), há grandes trechos de selva submersa, barulhos de peixes misteriosos na água escura e brilhante, e os amigos botos, vermelhos, não cor-de-rosa. Estes não nadam nem respiram: bóiam. São muitos e bóiam o tempo todo, brincalhões, simpáticos.

Descemos de barco trabalhando nas pequenas comunidades do Rio. O Rio Negro é negro e o Rio Branco é branco! Que descoberta! O encontro dos dois é sereno e amigável: uma linha divisória de duas cores. O Rio Negro parece um espelho escuro, calmo como um lago. Reflete nele tudo o que nele não está: a floresta, o céu inteiro. Tanto que sempre se tem a impressão de que o barco voa entre ilhas flutuantes no céu. Isso quando não chove, ou melhor, quando não faz chuva, como dizem por lá. E faz chuva todo dia. Quando é temporal, eles chamam de banzeiro. E quando está nublado, o sol está frio. Na seca bicho de casco desova. Bicho de casco é o prato típico (tartaruga mesmo) assado, com as pernas para cima, mesa após mesa, a melhor carne do mundo, confesso entre amigos.

Do barco, depois de horas de viagem, os homens descem uma rampa. Molho os pés na água finalmente! Vou subindo a trilha bem marcada que sai da água e sobe uma pequena colina, no topo da qual, muitas pessoas me observam. Faz muito, muito tempo que não desce alguém diferente naquelas bandas. Pequenas flores na borda do caminho, quase as mesmas da minha saia, que balanço bastante, junto com o cabelo, para que ninguém tenha dúvidas de que sou mulher. A caminhada era curta, mas foi eterna. Será que podiam sentir que sou mãe, menina mulher guerreira como aquelas dali, filhos nos braços e enrolados nas pernas, desafio nas costas? Me olhavam, me olhavam. Por um triz de um momento, destes mais importantes, me lembrei de expedicionários que em primeiro contato com civilizações remotas tiveram tamanha consciência de seu espaço corporal no mundo por estarem sendo tão intensamente observados. Senti seus riscos e lamentei suas mortes. No final, olhei finalmente nos olhos dos que me olhavam. Desviaram o olhar encabulados. Sorriram.

Raimunda é menina nova, bem mais nova do que eu, um filho de 05 meses nos braços. O guri era tão fofo, sorridente, irresistível de pegar nos braços e apertar. E ela, cabocla mansa, seios fartos, generosa. Ficou me acompanhando pela vila, me mostrando casa a casa, até que chegamos na dela. Sem paredes, aberta para o mundo e para a floresta. Ela mostra tudo, naquela simplicidade e leveza dos caboclos, naquela gentileza, que hoje sei, os fazem tão vulneráveis. (escravidão branca dos piaçabeiros, exploração dos piabeiros). Lamento estar a trabalho e depois de muito ter que ir embora. Lamento por eles, velhos, mulheres, crianças e homens, que demonstram seu desejo da nossa não partida. Mas lamento muito mais por mim, subindo no barco e acenando para um povo simples, que vai ficando pequeno, vão virando pontinhos no porto (que não é porto) e somem misturados à paisagem imensa da floresta. Como se ali não houvesse tanta vida, como se não houvesse tanta história, tanta coisa para aprender. Ao som regular, cadenciado do motor do barco, seguimos viagem e a noite cai sobre o rio e a floresta.
Hoje estamos escrevendo uma singela denúncia ao ministério público, quem sabe? Por essas e por outras, muitas essas e muitas outras volto para São Paulo e me sinto um alien de um planeta distante. Trabalho até o osso para dar conta. Fiz aniversário sim, 31 anos, muita hora nessa calma. Com o desejo de mais tempo para os amigos, que são a coisa mais importante do mundo neste ano que se inicia, convido a todos para mais um batizado de um novo boi, dia 19/06 domingo. A festa acontece das 14h às 22h, vocês todos já sabem onde. Como é de dia, esperamos as crianças.

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